QTECH UFABC

Projetos em Sensores Quânticos - Qu-TOM

Segunda revolução quântica

“A primeira revolução quântica nos deu novas regras que governam a realidade física. A segunda revolução quântica vai usar essas regras para usá-las no desenvolvimento de novas tecnologias.”[1]

O notável progresso em áreas como informação quântica, óptica quântica e, mais recentemente, sensoriamento quântico, se deve a sistemas que foram desenvolvidos até o fim do século XX, como circuitos supercondutores, íons aprisionados,  pontos quânticos, átomos frios, vapores atômicos e fontes de fótons emaranhados ou luz com compressão de ruído, entre outros [2-8]. Agora se pretende levar muitos desses sofisticados sistemas que atingiram um alto nível de aperfeiçoamento na primeira década do século XXI, para sua implementação nas mais diferentes áreas [9], e principalmente para sensores quânticos, fontes de fótons e grandes redes de comunicação criptografada quanticamente. Nesses sistemas se busca empregar os chamados estados quânticos qubits ou, estados da luz ou da matéria que apresentam correlações quânticas. Cada um desses sistemas tem virtudes adequadas a aplicações diferentes, operando em regiões do espectro eletromagnético totalmente distintas. 

Exemplos disso são os processadores quânticos com circuitos supercondutores como os da Google [2] que operam com fótons na faixa de micro-ondas, enquanto que memórias quânticas [3] operam no infravermelho próximo, assim como fótons emaranhados são produzidos no infravermelho e na banda de telecomunicações[4]. No entanto, informações transmitidas  de estados codificados em excitações na faixa de micro-ondas, podem se perder no ruído térmico, diferente de fótons ópticos que podem se propagar por diferentes meios sem interagir com o ambiente. Luz com compressão de ruído pode aumentar a sensitividade de sensores por leitura óptica, porém a luz produzida por cristais não é compatível com sensores atômicos, como os relógios atômicos ou os magnetômetros atômicos. Portanto, há uma busca para desenvolver sistemas híbridos em que seja possível transduzir fótons de uma faixa espectral a outra[10], ou produzir luz com propriedades quânticas compatíveis com sensores atômicos ou chips. Isto será fundamental para desenvolver tecnologias quânticas de última geração que possam ser implementadas em diferentes áreas ultrapassando o desempenho de sensores até então “clássicos”. 

Vapores atômicos entram no jogo

Entre os sistemas que têm atraído a atenção para o desenvolvimento de sensores quânticos estão os vapores atômicos, que apresentam um amplo espectro de aplicações, entre elas, magnetometria, ressonância magnética, relógios atômicos, detecção de luz de TeraHertz e busca de partículas de matéria escura[11-17]. A sua relativa facilidade de saturação ótica das transições atômicas permite a observação de efeitos de não linearidade óptica de terceira ordem (3) para baixas potências[18,19] e uma menor complexidade técnica comparados com sistemas de átomos frios, atraiu o interesse de pesquisadores para desenvolver sensores de última geração.

Por um lado, o desenvolvimento de Relógios atômicos impulsionou a miniaturização de células de vapor, o que atraiu o interesse para sensores com tamanhos reduzidos. Já no contexto de informação quântica em variáveis contínuas (VC) o processo de mistura de quatro ondas (4WM) permitiu as primeiras demonstrações de estados com compressão de ruído (squeezed states) e estados emaranhados.  Nos últimos anos, os vapores atômicos têm crescido como uma plataforma para sistemas VC. A velocidade tem sido tal que muitos dos protocolos demonstrados com sistemas (2) em cristais, como teletransporte, quantum dense coding, entanglement swapping, também já foram realizados com vapores atômicos.

Vapores atômicos para Sensoriamento Quântico

Além de possibilitar toda uma plataforma para informação quântica em VC, as correlações quânticas presentes na compressão de ruído da diferença das intensidades  permitem aumentar consideravelmente a sensitividade de sensores por leitura ótica, como em interferômetros, até do tamanho do LIGO, em magnetômetros atômicos, em sensores plasmônicos, entre outros. A compressão de ruído (Squeezing) é essencial em certas aplicações  como, por exemplo, no caso de amostras biológicas, em que o aumento da intensidade pode danificar a amostra, ou outras aplicações em que a potência com a qual se trabalha já está na máxima intensidade disponível [17].

Recentemente tem sido mostrado o sensoriamento quântico com fontes com compressão de ruído por meio processos ópticos não lineares (3) por mistura de quatro ondas (4WM). Mediante este tipo de processo é possível produzir amplificação paramétrica óptica (OPA) e assim produzir compressão de ruído de intensidade. Esta é uma fonte eficiente para produzir esse tipo de luz (ver figura squeezing). Tem sido mostrado para aumentar a sensitividade na estimação de fase de interferômetros, como no caso do LIGO, posicionamento de micro-cantileverite[17], assim como quantum imaging é importante para resolução de imagens biológicas e sensores plasmônicos para detecção de vírus, entre outros. São aplicações que fazem parte do Quantum sensing [9], ou Sensoriamento quântico, onde os sensores operam superando o “limite clássico”.

Vapores para Magnetometria

Uma das aplicações de maior interesse para os vapores atômicos é a magnetometria. Até algum tempo os SQUIDS (Superconducting Quantum Interference Device) foi o estado da arte para medir campos magnéticos tão fracos quanto os emitidos pelos neurônios no cérebro humano. Este tipo de sensores permite fazer exames de magnetoencefalografia (MEG) para diagnosticar doenças como epilepsia e esquizofrenia.  Porém, o alto custo de operação desse tipo de sensores devido ao sistema criogênico para manter as baixas temperaturas dos sensores, fazem inviável a sua implementação em grande escala. No entanto, em 2002, o grupo de Michael Romalis [20] mostrou os primeiros magnetômetros em vapores atômicos que atingiram a sensitividade dos SQUIDs. Isto revolucionou a área, pois se projetou como uma alternativa sem custo de operação, alta taxa de amostras e alta sensitividade, com potencial de grande escala. 

A construção de células com recobrimento de parafina para vapor atômicos alcalinos,

o que aumentou notavelmente o tempo de coerência dos spins atômicos [21] atraindo o interesse em desenvolver magnetômetros atômicos. Desde então, os magnetômetros atômicos (OPMs sigla em inglês para Optically pumped magnetometers) tem-se tornado o estado da arte em magnetometria, ultrapassando seu principal competidor, os SQUIDs.

Desafios

Agora, há uma busca para melhorar o desempenho do magnetômetro atômico para utilizá-los em novas aplicações, assim como a miniaturização desses sensores. Isso envolve explorar aplicações em ambientes não blindados, operação de magnetômetro vetorial, operação simultânea de CC e CA e, particularmente, como é possível desenvolver magnetômetros atômicos com células microfabricadas [11].

Magnetômetro Vectorial – Existem aplicações nas quais é necessário medir os componentes vetoriais do campo magnético. SQUIDs podem medir apenas magnitude, mas átomos, em vez disso, podem ser sensíveis às direções dos campos magnéticos. Nos últimos anos, em colaboração com o professor Thomas Fenholz da Universidade de Nottingham, desenvolvemos um magnetômetro vetorial baseado em estados vestidos por radio-frequencia (rf) [22]. Esse tipo de abordagem aproveita o uso de estados alinhados à polarização do feixe de bombeio e campos de rf, para serem sensores robustos contra erros de direção (heading errors) para operar em ambientes não blindados, assim como na imagens magnéticas ou testes de bateria de litio em três direções. Esse tipo de sensores também ofereceria possibilidade de três canais para comunicação magnética em vez de um, como no caso de magnetômetros escalares A configuração paralela entre o feixe de prova e o feixe de leitura, o prova, o torna compatível com células micro-fabricadas. No entanto, para aumentar a sensitividade deste magnetômetro vetorial, uma célula de vapor diferente precisa ser usada. A versão atual foi desenvolvida usando célula de vapor de parafina, para preservar a coerência do spin dos átomos. No entanto, não é possível aumentar a temperatura da célula para aumentar a sensitividade devido ao ponto de fusão da parafina. Portanto, precisamos implementar esta técnica em uma célula preenchida com gás buffer que pode preservar a coerência do spin e a sensibilidade pode ser aumentada com uma alta temperatura da célula.

Luz com compressão de ruído – Uma segunda estratégia para aumentar a sensitividade do magnetômetro,  é empregar luz comprimida para sondar a precessão do spin, e assim  aumentar a sensitividade do magnetômetro [17,23]. No entanto, fontes de luz comprimida com cristais são sistemas complexos que envolvem vários processos para produzir luz com compressão de ruído na linha atômica dos magnetômetros. Recentemente, em colaboração com o prof. Marcelo Martinelli da USP e Alberto Marino da Universidade de Oklahoma, mostramos a geração de luz com compressão de ruído mediante um Oscilador paramétrico ótico (OPO)[24,25]. Este é um sistema mais simples e mais eficiente em consumo de potência do que as fontes com cristais, ou mesmo as que usam a mistura de quatro com átomos, como as da ref.[16].

Projeto Qu-TOM Sensing (Tecnologias para sensoriamento com átomos)  Recentemente a FAPESP lançou o programa QuTIa (Quantum Technologies InitiAtive) com intuito de impulsionar o desenvolvimento e formar recursos humanos em tecnologias quânticas. Este programa busca atrair pesquisadores jovens para desenvolver projetos de iniciativas quânticas. Entre os projetos aprovados  estão o Magnetômetro atômico que será desenvolvido na UFABC no laboratório de espectroscopia óptica e eletrônica.

O projeto Qu-TOM Sensing  visa desenvolver o primeiro magnetômetro atômico vetorial  no Brasil   baseado em estados vestidos por radiofrequências e com leitura ótica por meio de luz com compressão de ruído (squeezed light) produzida por um Oscilador Paramétrico Ótico (OPO) atômico. Este projeto busca implementar sensores magnéticos de última geração, empregando técnicas de física atômica e ótica quântica. O desenvolvimento de tais sensores permitiria abrir novas linhas de pesquisa com vapores atômicos para sensores com aplicações em diagnóstico médico, indústria e comunicação por meios magnéticos.

Para este projeto serão desenvolvidos dois sistemas. Um deles, é o magnetômetro vetorial onde vai se explorar técnicas com diferentes espécies atômicas assim como a implementação com células micro-fabricadas, buscando desenvolver magnetômetros atômicos compactos. O uso de radiofrequência e spins linearmente polarizados fazem do sensor robusto em ambientes com e sem isolamento magnético. O segundo sistema, é o OPO atômico baseado no processo de mistura de quatro ondas (4WM) para produzir luz com compressão de ruído de intensidade (squeezed light). O OPO atômico é uma excelente alternativa para produzir luz com squeezing para interagir com espécies atômicas, que de outra forma apresentam grande complexidade. Entretanto, a possibilidade de produzir células com espécies híbridas abre a possibilidade de desenvolver novas fontes de luz squeezing.

[1] Dowling Jonathan P. and Milburn Gerard J 2003 Quantum technology: the second quantum revolution, Phil. Trans. R. Soc. A.3611655–1674

[2] Arute, F. et al. Nature 574, 505–510 (2019)

[3] Briegel, H.-J., D¨ur, W., Cirac, and J. I. Zoller Phys. Rev. Lett. 81, 5932–5935 (1998).

[4] Diamanti, E. et al. Quantum Inf 2, 16025 (2016).

[5] Steven Chu, L. Hollberg, J. E. Bjorkholm, Alex Cable, and A. Ashkin, Phys. Rev. Lett., 54, 24, (1985).

[6] A. Aspect, J. Dalibard, A. Heidmann, C. Salomon, and C. Cohen-Tannoudji, Phys. Rev. Lett., 57(1688-1691), 1986.

[7]  M. H. Anderson, J. R. Ensher, M. R. Matthews, C. E. Wieman, E. A. Cornell, Science 269(5221):198-201 (1995.)

[8] K. B. Davis, M. O. Mewes, M. R. Andrews, N. J. van Druten, D. S. Durfee, D. M. Kurn, and W. Ketterle, Phys. Rev. Lett. 75, 3969, (1995).

[9] .L. Degen, F. Reinhard, and P. Cappellaro, Rev. Mod. Phys. 89, 035002 (2017).

[10] Gershon Kurizki, Patrice Bertet, Yuimaru Kubo, and Jorg Schmiedmayer Proc. Natl Acad. Sci. USA 112, 3866–3873 (2015).

[11] John Kitching, Appl. Phys. Rev. 5, 031302 (2018).

[12] Jonathon A. Sedlacek, Arne Schwettmann, Harald K¨ubler, Robert L¨ow, Tilman Pfau and James P. Shaffer, Nature Phys 8, 819–824 (2012).

[13] Christopher L. Holloway, Josh A. Gordon, Steven Jefferts, Andrew Schwarzkopf, David A. Anderson, Stephanie A. Miller, Nithiwadee Thaicharoen, and Georg Raithel, IEEE Transactions on Antennas and Propagation 62, 6169 (2014).

[14] Aishwarya Kumar et al. Nature volume 615, pages 614–619 (2023). 

[15]  Christopher G. Wade, Terahertz wave detection and imaging with a hot Rydberg vapour, Springer Theses, (2020).

[16] C. F. McCormick, V. Boyer, E. Arimondo, and P. D. Lett, Opt. Lett. 32, 178 (2007).

[17] B. J. Lawrie, P. D. Lett, A. M. Marino and R. C. Pooser, ACS Photonics 2019, 6, 1307 – 1318.

[18]  C. F. McCormick, D. R. Solli, and R. Y. Chiao and J. M. Hickmann, J. Opt. Soc. Am. B 20, 2480-2483 (2003).

[19] Michelle O. Araujo, Hugo L. D. de S. Cavalcante, Marcos Oria, Martine Chevrollier, and Thierry Passerat de Silans, Phys. Rev. A 88, 063818 (2013).

[20] J. Allred, R. Lyman, T. Kornack and M. Romalis Phys. Rev. Lett. 89, 130801 (2002).

[21] D. Budker and M. Romalis Optical Magnetometry Nat. Physics Vol. 3, pages 227–234 (2007).

[22] Tadas Pyragius, Hans Marin Florez, and Thomas Fernholz, Phys. Rev. A 100, 023416 (2019)

[23] Vito Giovanni Lucivero et al., Phys. Rev. A 93, 053802 (2016)

[24] A. Montaña Guerrero, P. Nussenzveig, M. Martinelli, A. M. Marino, and H. M. Florez, Phys. Rev. Lett. 125, 083601 (2020).

[25] A. Montaña Guerrero, R.L. Rincon Celis, P. Nussenzveig, M. Martinelli, A.M. Marino, and H. M.Florez, Phys. Rev. Lett. 129, 163601 (2022).